quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A morte de Herodes

EUSÉBIO DE CESARÉIA LIVRO I, PARTE VIII. O autor e a obra: Eusébio, bispo de Cesaréia, nasceu em cerca de 270, fale¬ceu no ano 339/340. A data de seu nascimento só pode ser inferida de sua obra, pois ele narra a perseguição dos cristãos sob Valeriano (258-260) como sendo algo do passado, e os even¬tos seguintes como sendo contemporâneos seus. Não se sabe onde nasceu, mas passou a maior e mais impor¬tante parte de sua vida em Cesaréia, na época a maior cidade romana da Palestina. Era de família desconhecida mas certa¬mente cristã, como indica seu nome. Eusébio nada fala de si mesmo em sua extensa obra. Foi bispo de Cesaréia de 313 ou 315 em diante. Em 303 começa a última e maior perseguição aos cristãos, durando até 311. Não se sabe em que circunstâncias Eusébio atravessou essa tormenta. Assistiu pessoalmente a martírios em Tiro e na Tebaida (Egito), ele próprio foi preso mas não executa¬do, tendo sido posteriormente acusado de apostasia. Sua formação teológica foi baseada no estudo da obra de Orígenes. Durante os debates contra o arianismo Eusébio foi um dos principais defensores de uma posição mediadora, que procurava manter unificada a indefinição dogmática dos pri¬meiros pais da Igreja. Para a dogmática posterior ele é suspeito de ser semi-ariano, o que pode ter sido a causa do rápido desa¬parecimento de muitos de seus escritos. Sua obra se constitui de livros históricos, apologéticos, de exegese bíblica e doutrinários. Escreveu mais de 120 volumes, a maioria dos quais perdidos, alguns são conhecidos ape¬nas por traduções. Dos originais restam nada mais do que frag¬mentos. Tratou de todos os temas e personalidades ligados à Igreja, citando extensamente e comentando cerca de 250 obras de muitos autores que de outra maneira estariam perdidos, sendo conhecidos apenas através de Eusébio. Eusébio de Cesaréia [Do infanticídio cometido por Herodes e o final catastrófico de sua vida] 1. Nascido Cristo em Belém de Judá, conforme as profecias no tempo men¬cionado, Herodes, ante a pergunta dos magos vindos do Oriente que queriam saber onde se achava o nascido rei dos judeus - porque tinham visto sua estrela, e o motivo de sua viagem tão longa era seu empenho em adorar como Deus ao recém-nascido -, bastante perturbado pelo assunto, como se estivesse em perigo sua soberania - ao menos era o que ele realmente pensava -, depois de informar-se com os doutores da lei dentre o povo onde esperavam que haveria de nascer o Cristo, assim que soube que a profecia de Miquéias indicava Belém, ordenou mediante um edito matar os meninos de peito de Belém e redondezas, de dois anos para baixo, segundo o tempo exato indicado pelos magos, pensando que também Jesus, como era natu¬ral, teria certamente a mesma sorte que os outros meninos de sua idade. 2. Mas o menino, levado para o Egito, adiantou-se ao plano: um anjo apareceu a seus pais indicando-lhes de antemão o que iria acontecer. Isto é o que nos ensina a Sagrada Escritura do Evangelho . 3. Mas, além disso, é conveniente dar uma olhada na resposta pelo atrevimento de Herodes contra Cristo e os meninos de sua idade. Imediatamente depois, sem a menor demora, a justiça divina o perseguiu quando ainda transbordava de vida e lhe mostrou o prelúdio do que o aguardava para depois de sua saída desta vida. 4. Não é possível resumir agora as sucessivas calamidades domésticas com que se enevoou a suposta prosperidade de seu reino: os assassinatos de sua mulher, de seus filhos e de outras pessoas muito próximas a sua família por parentesco e por amizade. O que se pode supor a respeito disso deixa à sombra qualquer representação trágica. Josefo o explica extensamente em seus relatos históricos. 5. Mas sobre como um flagelo divino o arrebatou e ele começou a morrer já desde o momento em que conspirou contra nosso Salvador e contra os demais meninos, será bom escutar as palavras do próprio escritor, que no livro XVII de suas Antigüidades judaicas descreveu o final catastrófico da vida de Herodes como segue: "A doença de Herodes fazia-se mais e mais virulenta. Deus vingava seus crimes. 6. Com efeito, era um fogo suave que não denunciava ao tato dos que o apal¬pavam um abrasamento como o que por dentro aumentava sua destruição; e logo uma vontade terrível de comer algo, sem que nada lhe servisse, ulcerações e dores atrozes nos intestinos, e sobretudo no ventre, com inchaço úmido e reluzente nos pés. 7. Em torno do baixo-ventre tinha uma infecção parecida; mais ainda, suas partes pudendas estavam podres e criavam vermes. Sua respiração era de uma rigidez aguda e extremamente desagradável pela carga de supuração e por sua forte asma; em todos os membros sofria espasmos de uma força insuportável. 8. O certo é que os adivinhos e os que têm sabedoria para predizer estas coisas diziam que Deus estava fazendo-se pagar pelas muitas impiedades do rei." Isto é o que o autor citado anota na mencionada obra. 9. E no livro segundo de seus relatos históricos nos dá uma tradição parecida acerca do mesmo assunto, escrevendo assim: "Então a enfermidade se apoderou de todo o seu corpo e foi destroçando-o com variados sofrimentos. A febre na verdade era fraca, mas era insuportável a comichão em toda a superfície do corpo, as dores contínuas do ventre, os edemas dos pés, como de um hidrópico, a inflamação do baixo-ventre e a podridão verminosa de suas partes pudendas, ao que se deve acrescentar a asma, a dispnéia e espasmos em todos seus membros, ao ponto de os adivinhos dizerem que estes sofrimentos eram um castigo. 10. Mas ele, mesmo lutando com tais padecimentos, ainda se aferrava à vida, e esperando salvar-se imaginava curas. Atravessou o Jordão e utilizou as águas termais de Calirroe. Estas vão desaguar no mar do Asfalto , e como são doces são também potáveis. 11. Ali os médicos decidiram aquecer com azeite quente todo seu purulento corpo em uma banheira cheia de azeite; desmaiou e revirou os olhos, como se estivesse acabado. Armou-se grande alvoroço entre os criados, e com o ruído voltou a si. Renunciando desde então à cura, mandou distribuir a cada soldado 50 dracmas e muito dinheiro aos chefes e a seus amigos. 12. Regressou então e chegou a Jericó, já vítima da melancolia e ameaçado pela morte. Pôs-se a tramar uma ação criminosa. De fato, fez reunir os notáveis de cada aldeia de toda a Judéia e mandou encerrá-los no chamado hipódromo. 13. Chamando depois sua irmã Salomé e seu marido Alexandre, disse: Sei que os judeus festejarão minha morte, mas posso ainda ser pranteado por outros e ter uns funerais esplêndidos se vocês atenderem minhas ordens. Assim que eu expirar, fazei com que cada um dos homens aqui detidos seja imediatamente cercado por soldados e fazei com que os matem, para que a Judéia inteira e cada casa, ainda que à força, chore por mim." 14. E um pouco mais adiante diz: "Depois, torturado também pela falta de alimento e por uma tosse espasmódica e abatido pelas dores, tramava antecipar a hora fatal. Pegou uma maçã e pediu uma faca, pois tinha o costume de cortá-la para comê-la. Depois, olhando em volta por medo de que houvesse alguém para impedi-lo, levantou sua mão direita com a intenção de ferir-se." 15. Além destes detalhes, o mesmo escritor refere que, antes de morrer de todo, mandou que matassem outro de seus filhos legítimos, terceiro que somou aos outros dois já assassinados anteriormente , e no mesmo momento, de repente e entre enormes dores, expirou . 16. Assim foi o final de Herodes, justo e merecido pelo infanticídio perpetrado em Belém por atentar contra nosso Salvador. Depois disto, um anjo se apresentou em sonhos a José, que vivia no Egito, e ordenou-lhe partir com o menino e sua mãe para a Judéia, explicando-lhe que estavam mortos os que buscavam a morte do menino, ao que acrescenta o evangelista: Porém, ouvindo que Arquelau reinava no lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá, mas avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galiléia .

Nenhum comentário: